terça-feira, 30 de novembro de 2010

SER AVÔ - PERMISSÕES E LIMITES

Sempre achei que teria muito prazer na experiência de ser avô. Mas, em hipótese alguma imaginei que seria do jeito que está sendo. É indescritível a sensação quando estamos ao lado de um neto ou neta.

Não consegui, por vários motivos, ter uma vivência com meus avós. Aliás, só conheci um dos quatro. Não sei também, se consegui propiciar uma vivência adequada de meus filhos com seus avós. Acho que não. Apesar disso, sempre pensei em uma relação diferente com os meus netos. Sempre pensei que iria ser para meus netos muito mais que um retrato na gaveta ou uma lembrança de infância. Imaginei ter com meus netos uma relação onde cada de nós teria uma importância muito grande na vida do outro. Mas sem dependência de qualquer tipo. Qualquer relação que cause dependência, não faz bem para as pessoas.

Até o momento parece que estou conseguindo levar as coisas da maneira que precisa. Parece que estou conseguindo sair do lugar comum e ser um avô um pouco diferente para meus netos. Isso tem me trazido grandes alegrias e uma felicidade enorme nos momentos em que estou longe deles.

Pode ser devaneio de avô, mas tenho a impressão que o meu relacionamento com os meus netos têm me devolvido uma reciprocidade ímpar. Sinto que não sou só eu que me alegro quando nos encontramos, eles também se apresentam nesses encontros com um brilho diferente em seus olhinhos. Isso é o máximo que qualquer avô pode esperar. É impagável, ver a festa que o Vítor faz, quando eu chego a sua casa para minhas visitas, clandestinas ou não. Também, não menos impagável é, quando decido pegar a Lara na escola, a reação dela de euforia demonstra que ela achou muito bom a gente estar lá.

Alguém pode perguntar como se consegue isso. Na minha opinião, existem duas maneiras para se chegar ao mesmo resultado. Uma, a mais fácil, é fazer todas as concessões. Ser um avô tradicional, daqueles que “os pais educam, os avós deseducam”. Esta forma com certeza encanta qualquer ser humano, imagine uma criança. Quem não gostaria de ter um avô permissivo, que não está preocupado com os limites? A tentação para ser assim é grande. É muito mais fácil dizer “sim” do que dizer “não” para uma criança.

A segunda maneira de atingir este objetivo é manter com a criança uma relação no mesmo nível que ela. Não existem previamente coisas proibidas de serem feitas. O que existem são os limites. Os avôs, e os adultos de um modo geral, deveriam sempre se preocupar com os limites, já que isso as crianças não têm. Para elas tudo é permitido. O papel dos adultos deveria ser apenas de orientar essa permissão que, em última análise, é colocar os limites necessários.

Mas a coisa pega exatamente quando é necessário determinar um limite. Jamais alguém poderia corrigir uma criança por seus medos e suas neuroses. Brigar com uma criança porque ela está se aproximando da janela do apartamento simplesmente porque sou acrofóbico é prestar um desserviço na formação da criança. Entretanto, é muito comum pais, avós, tios e adultos de um modo geral, que tenham alguma ascendência sobre a criança, achar que o limite da criança deve ser seus (dos adultos) medos. No caso da janela do apartamento, caso seja uma janela com grade, que é impossível da criança cair, por que brigar com a criança para se afastar? Ao invés de brigar, bastaria conversar. Isso é necessário porque dentro de sua ignorância, a criança não percebe se existe proteção ou não na janela. O ideal é fazer a criança evitar os perigos sem adquirir fobias. Às vezes nós adultos não conseguimos delimitar a fronteira entre impor limites e proibir a criança de viver.

Na minha relação com meus netos, procuro sempre buscar a tênue linha que separa os limites da proibição. Procuro não ultrapassar essa linha. Para ilustrar vou citar um exemplo.

Minha neta, já tem 5 anos. Quando ela tinha, mais ou menos 4 anos e meio, numa das noites que ela dormiu em casa, pediu para fazer algumas experiências no banheiro. Pegava creme dental, shampoo, sabonete líquido e outras coisas que deixo sobre a pia do banheiro, colocava tudo isso dentro de um copo misturava tudo, fazia espuma virava pra lá, pra cá. Via o efeito. Deixava sua experiência lá quietinha, assistia um pouco de TV, enquanto a mistura se assentava e assim passou mais de duas horas brincando de alquimista. Depois desse dia sempre que vem aqui pede para fazer experiência no banheiro.

Na primeira vez que minha neta me pediu para brincar do jeito que brincou nas experiências dela, fiquei em dúvida sobre deixar ou não. Nessas horas vem um monte de coisas na cabeça da gente. Muitas de ordem material. Algumas de ordem psicológicas. Vem a imagem da bagunça que o banheiro vai ficar, o desperdício de creme dental, sabonete, shampoo etc. Mas, algumas coisas nobres também nos vêm ao pensamento, como o perigo da criança engolir alguma coisa, por exemplo. A bagunça no banheiro é uma questão de esforço físico. O desperdício tem duas questões envolvidas: o gasto, que é desprezível, visto que qualquer outra atividade que uma criança exerce também envolve gasto. Mas tem também a questão de ensinar a criança a não desperdiçar qualquer coisa. Isso é fundamental para a formação de qualquer pessoa. Mas, será que sob a ótica da criança aquela experiência será considerada um desperdício de produtos, ou será considerada um caminhar para a descoberta de uma série de coisa e os produtos utilizadas foi simplesmente um meio para se atingir este objetivo?

Pesa pra cá, pesa pra lá, minha neta fez a experiência e a repete de vez em quando. Às vezes quando ela dorme em minha casa se lembra da experiência e pede para repeti-la. Lógico que deixo. Ela faz, depois de certo tempo, pede para tomar banho. Às vezes pede para levar a experiência pra terminar durante o banho, o que permitimos também. Ao final da noite dorme como um anjo feliz da vida, sem correr nenhum risco, descobrindo coisas maravilhosas em suas experiências e, penso eu, ela vai vivendo a vida. Sempre que vem à casa do avô, sabe que não existe nada proibido e sim limites a serem respeitados.

Não sei se conseguirei, mas tentarei ser um avô com essa visão, para ter com meus netos uma relação que ficará longe de ser uma lembrança na gaveta ou uma foto impressa na infância.